> CASAPONTOCOME: setembro 2015

Aventuras... do desemprego #2

Compareço à hora marcada e espero: o escritório está fechado e não se vê ninguém lá dentro. Para uma entrevista agendada para as 14h00 um ligeiríssimo atraso de 20 minutos… podia ser pior. E foi.
Chega finalmente um casal: uma senhora de cabelo-palha (na cor e na secura do cabelo), unhas roídas e calças de ganga deslavadas, mas com uma blusa fina, com apliques cheios de brilhantes. O homem é mais velho, na casa dos 60, alto e com um fato barato. O cabelo todo lambido para trás e colado à cabeça por alguma matéria pegajosa, que reluz com o sol.
Ofereço um aperto de mão enérgico à senhora e ela reage quase como se lhe tivesse apontado uma arma. Olha-me para a mão estendida e lá se decide a apertá-la, sem grande força, nem convicção. Convidam-me a aguardar numa sala de espera, porque os 20 minutos que esperei lá fora não devem ter sido suficientes. Agradeço, naturalmente.
O senhor chama-me então para a entrevista. Entro na sala: não tem janelas e a única fonte de luz é um candeeiro de pé alto, atrás da cabeça dele e virado para mim, o que me faz pensar em interrogatórios e séries policiais. Sento-me à frente da secretária dele e descubro que não tenho espaço para poisar as mãos: há um porta-canetas, um pisa-papéis, um calendário e umas caixas pequenas, restando apenas um intervalo onde coloco as mãos cruzadas e endireito as costas.
Então, é a D. Dulcamara?” – diz ele, olhando para uma folha onde deve ter os meus dados. “Desculpe lá, mas hoje fui almoçar com o patrão e comi cá um bacalhau… Uma maravilha!” Sorrio. Olho discretamente para o resto da sala: há outra secretária, também com tralhas em cima e umas caixinhas parecidas com as que tenho ao lado das mãos. Tento ler o que dizem, mas não consigo.
És casada, Dulcamara?” Ok, já nos tratamos por tu, pelos vistos, e passámos às questões relevantes: o meu estado civil. Respondo afirmativamente e o homem olha-me para os ombros e continua: “Tu tens boa aparência, sabes? Acho que te enquadras.” Mau… Mantenho um sorriso, já a fugir para o amarelado. “O que é que te fez concorrer para este emprego?” Explico que tenho experiência como administrativa e na área comercial, daí a minha candidatura. Como o anúncio pedia alguém para estas funções numa empresa de importação / exportação, aproveito para questionar qual a área de negócio. “Sabes, o mercado é uma coisa muito dinâmica: se agora der dinheiro vender camisolas, não nos vamos pôr a vender maçãs, não é?” (Começo a franzir o sobrolho.) “Nós estamos em várias frentes… E ainda há bocado estava em frente a um bacalhau, que bacalhau… E o patrão é que pagava!” E solta uma gargalhada ruidosa. (Interrogo-me se o senhor estará sóbrio.) Sorrio, agora em amarelo vivo. “Nós aqui vamos-te ensinar a nadar!” (Nesta altura, o cheiro a esturro é incontornável.) A nadar? - pergunto. “Sim, sim, há empregos em que vais e trabalhas e quem ganha é o patrão, há outros em que tu podes ser o patrão!” (Oh, Deus…) “Eu vou-te ensinar a nadar de modo a que tu nades em todas as praias do mundo! Nós aqui estamos a recrutar pessoas, não para empregados mas para patrões! Daqui a um tempo podes estar tu aqui, sentada nesta cadeira!” (Toda a tensão da entrevista começa a dissipar-se e penso onde raio vim eu parar? O meu sorriso já é mais para disfarçar a vontade de rir.) “Sabes que eu já trabalhei em muita coisa, agora estamos aqui e amanhã podemos não estar. Eu até já estive no Brasil!” (Olhe que bom para si.) “Nesta empresa eu levo-vos a atravessar uma estrada… Tu quando atravessas uma estrada como é que fazes?” OK, respiro e respondo Com cuidado, tem que se ter cuidado.Exactamente!” – berra o senhor. “E aqui sou eu que ensino a melhor maneira de atravessar. Não vou sempre convosco, mas sou eu que ensino. Depois, cada um voa sozinho.“ Na minha cabeça listo as possibilidades para o possível negócio desta empresa: aspiradores? Filtros para água? Droga? “E depois, um dia, eu digo: agora vais tu sozinho, como se diz a um filho.” Nisto, o homem faz uma cara de bebé chorão, e grita, com voz de falsete “Oooh pai, mas eu não quero ir sozinho…” E eu rebento numa gargalhada, não consegui evitar. O senhor tem aí um lado de actor muito interessante, olhe que se calhar devia explorar essa faceta. O parvo do homem aceitou a minha intervenção como um elogio e continua. “Eu acho que tu te vais enquadrar, sim senhor.Pois, mas ainda não me explicou qual é a função ao certo…Então não disse, eu já te disse tudo! Tu queres trabalhar? Sabes que aqui toda a gente ganha muito bem! Tu podes vir a ganhar 50€ por dia! Tens dúvidas?Por acaso tenho, olhe fazem contrato ou é a recibos verdes? Qual é o ordenado base? Trabalharia aqui, neste escritório? Qual é o horário de trabalho?Isso tudo tu vais vendo, olha, segunda-feira já podes começar.” (E começa a escrever num papelinho. Começo a enervar-me.) O homem dá-me o papelito rabiscado: um nº de telemóvel e o nome de uma mulher. “Estás cá de manhã às 8h30 e essa pessoa vai-te acompanhar para te mostrar o que fazer.” (Devo estar nalgum filme de terror, só pode, penso com os meus botões). Mas se ainda nem me disse o que viria fazer, ia assim começar a trabalhar sem saber de nada? Mas queres saber o quê?” Bem, tudo: o que vou fazer, quanto me pagam… Podes vir a ganhar 50€ por dia, já disse!Posso vir a ganhar? Então é algum trabalho à comissão? O senhor levanta-se e leva-me a uma outra sala, onde está a senhora do cabelo de palha, no meio de caixotes, vermelha e ofegante. Ele aponta para umas caixas mais pequenas e diz, já nervoso: “Queres saber o que vendemos? É isto, são perfumes. Cada caixa destas vale 50€.” Passa um braço à volta do pescoço da desgraçada: “Olha, ela não ganha 500€.” (e eu penso: uns 200?) “Nem 600… Ganha mesmo muito bem!” A senhora tenta conter um sorriso, mas eu apanhei-o. “Falem aí as duas e já sabes, podes vir a ganhar muito dinheiro!” E dirige-se novamente à sala de interrogatórios entrevistas, onde já está um rapazinho à porta.      
Agradeci à pobre senhora e fugi dali para fora.

São 4 da tarde, mais uma aventura.   

As minhas aventuras


Quando era pequena adorava ler livros de aventuras, começando pelas aventuras da Anita (que eram assim um bocado… pouco-aventureiras) e mais tarde os livros “Uma aventura…” que já eram mais entusiasmantes. O meu sonho, ao ler estes livros, era poder passar eu mesma um dia, por episódios assim: desvendar mistérios, apanhar culpados, perseguir os mauzões e ganhar… Em vez disso a vida reservou-me muitas outras aventuras, com um pouco menos de adrenalina mas muito mais gargalhadas. Assim decidi criar toda uma nova divisão da casa, onde vou deixando uma amostra: as minhas aventuras, por esta vida fora! Isto só a mim (ou talvez não). J

Outono: dia 1

2015 tem sido um ano de aprendizagem e adaptação. Não tem sido fácil, mas tudo se resolve, certamente: houve projectos que tracei e que não tiveram o sucesso esperado, houve metas que defini e que tiveram de ser (mais uma vez) adiadas e por aí fora. Gosto pouco de me queixar da vida, portanto, resta-me vivê-la, aprender e evoluir.  
A vida corre na mesma e se não soubermos aproveitar os dias o melhor possível, eles passam de qualquer modo, indiferentes aos nossos desejos e sonhos. Portanto hoje é o primeiro dia de Outono. Uma nova estação, pintada com as cores mais bonitas do ano, um novo ciclo, uma nova oportunidade de melhorar, crescer e ser feliz. Este é o meu mantra de vida: simplesmente ser feliz.

Cuidado com a língua

Encontrei isto na minha caixa do correio. Não sei que tipo de formação terá esta pessoa, mas a oferta é para dar explicações de “todas as disciplinas, excepto Francês”. Pois.
Há quem me pergunte porque reparo tanto nestas coisas. Nessas alturas eu suspiro. Suspiro porque a questão não devia ser essa. A pergunta devia ser como é possível tanta gente usar tão mal a sua própria língua? Se o ensino obrigatório é de 12 anos, não seria de esperar que soubéssemos pelo menos falar e escrever em Português, ao fim desse tempo?

A culpa deste meu "olho clínico" para a calinada é da minha mãe, claro. Foi ela que me policiou o uso da língua, desde sempre (e até hoje). Sou professora de formação, mas não de Português, portanto não acho que seja por aí.

Mesmo em ambiente escolar, muitas vezes fiquei de queixo caído e não me refiro aos alunos. Os erros que mais me chocavam eram cometidos por colegas de profissão no activo. Entrar na sala de professores de um conceituadíssimo colégio e dar de caras com um vermelho e gigantesco REQUESITOS, orgulhosamente chapado no título de um cartaz, escrito por uma professora, é coisa para me fazer procurar a câmara dos apanhados (que, mais uma vez, não estava lá).
Acho irresponsável ensinar (seja o que for) em Português e assassinar a língua diariamente. Acho absurdo interagir, seja com quem for, em português-modo-calinada.

A língua portuguesa é mais do que o que nos sai da boca e dos dedos. Ela devia ser a nossa raiz, a nossa âncora cultural, ou não lhe chamássemos língua materna. O nosso país é mais do que um rectângulo de terra, entre Espanha e o mar, também por causa da língua portuguesa, que carrega a nossa história e a nossa cultura.

Falar e escrever com um mínimo de correcção devia ser um dever nacional.